Depressão: falta de apoio familiar e preconceito são os maiores empecilhos do tratamento
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Paula Moran
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A depressão já atinge, hoje, 322 milhões de pessoas no mundo, cerca de 4,4% de toda a população, de acordo com dados divulgados em 2015 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos últimos 10 anos, o número quase duplicou, tendo um crescimento de 18,4%.
No Brasil, 5,8% da população sofre com o problema, representando um total de 11,5 milhões de brasileiros, a maior incidência da América Latina e a segunda dentre as Américas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que possui 5,9% de pessoas com depressão. Já o transtorno de ansiedade afeta 9,3% da população brasileira. São 18,6 milhões de pessoas que possuem a doença, colocando o país em posição de recorde no ranking mundial.
Um dos maiores problemas que afeta o diagnóstico e o tratamento é o preconceito acerca do tema dos transtornos mentais e psicológico, de acordo com a psicóloga Andressa Moro. “O maior problema disso é que as pessoas que precisam do tratamento, acabam não procurando ajuda, porque é considerado uma ‘vergonha’, e não como uma outra doença qualquer. Existe todo um estigma de loucura em torno das doenças mentais”, explica.
A especialista afirma que por conta desse preconceito, a própria vítima acaba se negando a entender que possui um problema e reluta muito para começar um tratamento e utilizar uma medicação. “Até mesmo o tratamento psicológico sofre preconceito, as pessoas associam muito com o conceito de loucura e, na verdade, os transtornos mentais não tem nada a ver com isso”.
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Banalização da doença prejudica o tratamento
A psicóloga explica que a banalização é responsável por prejudicar o tratamento: “Eu acredito que essa banalização existe muito por conta do senso comum de pensar que a psiquiatria e a psicologia são como eram antigamente, em que as pessoas eram jogadas em hospícios por qualquer problema, mas hoje em dia não funciona assim, muitas pessoas possuem transtornos mentais e levam a vida tranquila”.
Para ela, os transtornos mentais ainda não são vistos como doenças de fato: “Quando você quebra uma perna ou tem problema no coração, você precisa ir em um médico especialista que vai tratar esse problema e te encaminhar para uma reabilitação. Com os transtornos psicológicos é a mesma coisa, você vai no médico, ele vai te passar a medicação e você precisa fazer uma reabilitação, que é a terapia, para que você possa lidar com tudo isso”.
O descaso fruto da banalização, de acordo com Andressa, faz com que os pacientes não procurem ajuda, prejudicando também o seu dia-a-dia, pois os transtornos são muito limitantes e trazem muito prejuízo para a vida dessas pessoas. “Como as pessoas não enxergam os sintomas desses problemas como enxergam os problemas fisiológicos, então, o que não é visto parece que não é importante”, destaca.
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A importância do apoio familiar
Andressa explica que o paciente que possui depressão, por exemplo, se vê como se estivesse em uma rua sem saída, em uma tristeza profunda, sem esperanças e que, muitas vezes, essa pessoa se encontra sozinha em seu problema. “A pessoa que não tem depressão muitas vezes não consegue compreender os episódios e momentos de crise pelos quais seu ente querido passa. Então, ela acaba rotulando as situações como momentos de ‘frescura’ e fraqueza”. Por isso, o apoio das pessoas de convívio mais próximo é muito importante na luta contra a doença.
Ela afirma que a família e os amigos têm um papel fundamental no tratamento das pessoas que sofrem com transtornos psicológicos: “A importância da família e dos amigos entra justamente em dar o apoio e reconhecer que a pessoa precisa de ajuda e que está tudo bem, não há problema em precisar de ajuda”.

Quem convive relata
Amigos e familiares relatam como é conviver com uma pessoa com depressão:
“No início, eu e as minhas amigas de um grupo de vendas começamos a taxar ela de ‘coitadinha’ porque nunca se empenhava e não mostrava interesse pelo projeto. Depois eu e minha líder do grupo começamos a ajudá-la, conversamos com ela e ela se abriu e contou que toma medicamentos controlados. Só assim nós conseguimos mudar de fato o jeito de olharmos para ela”, conta Mariana Rocha, uma vendedora de cosméticos que presenciou os sintomas da depressão em uma colega de trabalho.
“Minha mãe tem depressão. Ela sempre foi muito alegre e brincalhona… Todo mundo gosta dela e foi difícil perceberem que ela estava mal porque ela não demonstrava. Eu sempre achei que ela tinha que estar bem. Quando ela não estava disposta eu queria exigir mais dela. Demorei muitos anos para descobrir que ela não estava bem. Ela não faz nenhum tipo de tratamento, mas depois que ela foi agredida com uma faca pelo meu pai, alcoólatra, nós começamos a perceber que mesmo correndo risco ela não demonstrava medo ou tristeza”, relata Rayane Christine, 27.
“Meu irmão mais novo, de 13 anos, tem depressão, mas eu e minha família sempre apoiamos ele. Nunca achamos frescura porque minha mãe já teve problema antes. Sempre fomos alertados para evitar rotinas estressantes. Ele desenvolveu isso no colégio porque tem uma pequena deficiência nas mãos.”, conta Luana Ribeiros, 25, estudante.
“Depois que meu pai foi preso, por cometer um crime hediondo, minha mãe ficou totalmente ‘fora da casinha’, mas nós compreendemos muito e tentamos ajudá-la. Eu vejo ela quase todos os dias e, atualmente ela toma medicamentos. A prisão dele só virou uma outra chave, porque ele já fazia ela sofrer há anos. Ela não nos ouvia e acabamos culpando ela. Hoje eu me arrependo e acho que também sou culpado por tê-la hostilizado. A gente nunca sabe o que se passa na cabeça de uma pessoa para julgar”, Robson Antunes, 35.
“Eu acho que um pouco é frescura, mas minha mãe vive reclamando que não está mais aguentando e até toma remédios. Mas sei lá, acho que é um pouco de exagero”, Jussara Antunes, 15.
“Minha mãe tinha TOC, o que acabou desenvolvendo síndrome do pânico. Depois que meu pai foi morar com uma mulher 24 anos mais nova que ela, ela começou a desmaiar em lugares públicos e a fugir às vezes. Até hoje eu acho que ela queria chamar a atenção, mas o meu erro foi não ter dado tanta atenção pra ela. Cheguei a chamar a polícia para encontrá-la quando sumiu por 2 dias. O sofrimento dela acabou afetando toda a família”, conta uma estudante que não quer se identificar.
“Descobrir que uma pessoa tão importante para mim, como a minha filha, estava sofrendo de depressão, foi horrível! Primeiro porque, por causa da minha religião, jamais se passava pela minha cabeça que a minha filha poderia sofrer desse problema. Quando eu descobri, já era quase tarde demais, foi quando ela já tinha tentado suicídio e estava em outro país. Eu tive que ir lá buscá-la. Ela estava internada em uma clínica psiquiátrica e os médicos não queriam deixá-la sair, eu precisava provar que ela continuaria o tratamento aqui. E foi horrível saber que a minha filha passava por isso e eu não via - era como se eu estivesse cega, porque depois eu comecei a relembrar todo o tempo em que ela estava em casa e me dava os sinais na minha frente e eu não via, ou não queria ver. Era como se fosse uma anestesia”, conta Elkeane Aragão, mãe de vítima da depressão.
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Tratamento e informação são fundamentais
Elkeane, jornalista e mãe de uma pessoa que sofre de depressão, também afirma que o tratamento foi fundamental para a melhora da filha. “Isso ajudou ela a sair da profundidade em que ela se encontrava, porque ela era outra pessoa, tinha outro olhar. Eu tive que reaprender a lidar com ela. Tive que fazer terapia também para poder aprender a lidar com ela e como valorizar os sinais que ela me daria de agora em diante. O nosso relacionamento teve que ser refeito nessa nova condição que ela estava”, explica.
Para ela, a terapia e a busca dos profissionais, tanto de sua parte, como da filha, foi muito importante: “Não sei se teríamos nos reatado se não fosse por ajuda profissional”.
Ela acrescenta que uma forma de ajudar a quem está passando por esses problemas é se informar e procurar saber como agir diante disso. Procurar conteúdos e ler sobre esses transtornos através de fontes confiáveis pode diminuir o preconceito e mudar maneira como o assunto é tratado.

