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Ah, Clara

Paula Moran

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Era uma manhã de fevereiro. Não uma manhã qualquer, não. Nascia Clara, a segunda de três filhos de Margoth, uma mãe comum da classe média de Miraflores, um distrito em Lima, na capital do Peru. Mas sua filha, a que nascia já aos prantos, não era nada comum.

 

Ah, Clara! Clara Eunice Isabel Medina Moran - é, desses nomes gigantescos típicos dos descendentes espanhóis na américa latina. Também apelidada por Clari, nascia uma menina que seria um grande prodígio. Mas também sofreria as consequências de uma sociedade que não perdoa, principalmente se você tem problemas psicológicos - estigmas até hoje.

 

É difícil entender como que, em uma família tão problemática - como todas são - mas, nesta, em particular, que ruiria em problemas, cresceria uma menina tão dedicada e sedenta por aventuras, pela vida.

 

Lembro-me de “Clarita, mi prima”, sempre muito triste, coisa que eu não entendia - e acho que nem mesmo ela. Não era uma tristeza como a que sentimos em vários aspectos de nossas vidas. Era uma tristeza que estava sempre ali, sutil, como se ao mesmo tempo que existisse, não mostrasse o que de fato acontecia. Essa tristeza me intrigou por muitos e muitos episódios de minha convivência com Clara. O fato de Elizabeth, sua irmã, ter ainda mais problemas, acabava ofuscando esse outro que era tão evidente, mas ao mesmo tempo, não. Dizem que a depressão é assim, um constante sentimento de vazio e tristeza, que não mostra as caras até que seja tarde demais. Felizmente não foi para Clara. Mas ela só descobriria isso mais tarde.

 

O diagnóstico só veio na adolescência, mas Clara sempre foi uma menina triste. Hoje, quando comenta sobre sua doença, tem lembranças de sempre ter se sentido assim, meio vazia.  A gente não percebia, é claro, mas a tristeza dela sempre estava ali. Mesmo que estivesse rindo ou brincando, sabia que por dentro, o sentimento de vazio corroía. Talvez fosse culpa da genética da família, toda cheia de problemas também, mas demoramos para perceber que algo não estava certo.

 

O tempo foi passando e, no ensino médio, época tão cruel para um adolescente, ainda mais para alguém doente emocionalmente, só percebemos a tristeza de Clara quando ela parou de comer. Ah, aí viriam os problemas - que na verdade sempre estiveram lá, mas ninguém viu. Aqui do Brasil, a gente se preocupava. O desespero em pensar que alguém do nosso próprio sangue passava por coisas que só víamos na TV nos pegou de surpresa, e eu, que era só uma criança, pensava: por que? Como ninguém notou?

 

Quase 20 quilos mais magra, Clara precisou entrar para a terapia, e ali entendeu, o porquê de sempre ter se sentido tão triste. “Dizem que é um problema com a química do cérebro, mas ninguém quer mesmo entender, então te dão remédios”, relembra.

 

Ainda que todos esses anos convivendo com a sua tristeza tenham sido muito difíceis, e em vários momentos, capazes de quase a fazerem morrer, a menina, hoje mulher, luta para não ser mais triste - mesmo que com a ajuda de remédios. Um dia ela precisou de alguém e se sentiu, mais uma vez, sozinha. Nesse dia ela quase se deixou morrer de verdade. Ingeriu milhares de pílulas, mas, lá dentro, sentiu que não queria morrer. Ela apenas queria não sentir mais essa tristeza. Ela só precisava de ajuda.

 

Clara hoje é formada em Psicologia - veja só que ironia. Atualmente está em Barcelona para concluir um mestrado de especialidade em Psicologia e Infertilidade, uma paixão pela vontade de ajudar que a faz continuar vivendo. Só tem 25, mas quer o mundo. Já foi até pro México.

 

Hoje, Clarita ajuda as pessoas a entenderem o que é essa tristeza. Essa tristeza é uma doença, que já atinge milhares de pessoas e têm cada vez mais vítimas de suicídio - pessoas que só precisam de uma coisa: ajuda. Essa ajuda não vem dos céus. Ela vem do apoio, do tratamento e da segurança em se sentir alguém amado e querido.

 

Depressão é uma doença. Não deixe que ela também mate como as outras.

 

Por Clara, por Elizabeth, por Anas e Marias, por Pedros e Joãos, por mim e por você, que pode também estar sentindo essa tristeza. Você não está sozinho. Procure ajuda.

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